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Devido ao agravamento do problema de saúde do Prof. Celso Waack Bueno, a edição deste blogue estará suspensa temporariamente.

sábado, 29 de junho de 2013

Os quatro capitais


O processo entendido como desenvolvimento sempre consistiu na valorização do capital material e dos recursos financeiros, à custa da desvalorização dos recursos naturais e humanos e do capital humano, justamente os que respondem pelo bem estar real, que não depende da acumulação de bens materiais, especialmente se supérfluos.   Da concentração crescente, na apropriação dos recursos naturais e do esforço de trabalho, resulta a descapitalização natural e humana.   O equilíbrio com o meio ambiente, de sua parte que é o homem, será sempre condição de sobrevivência de nossa espécie, como de todas as outras.  Mas estamos a serrar o galho em que estamos sentados.  Ou, como se diria nos Estados Unidos, estamos a pôr fogo em nossa casa – o mundo –, para assar o frango do lucro de algumas centenas de grandes empresas. (Do livro A Realidade Subjacente)

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segunda-feira, 17 de junho de 2013

A revolta em marcha


O salário mínimo é mínimo demais para tanta riqueza que circula nas bolsas de valores. Os valores que defendem os meios conservadores de comunicação, as igrejas, os parlamentares alimentados com o soldo do conservadorismo estão reduzidos à preservação das fortunas daqueles que amealharam, quais piratas, as riquezas que pertencem a todos os seres humanos. Apenas por serem humanos.
Agora, diante do tribunal das ruas, no calor das manifestações, da revolta que arde desde Istambul à Avenida Paulista, os governantes colocados no poder sob a contemplação do sistema ora em colapso acionam seu braço de ferro. Balas de borracha e cacetetes, imaginam, serão os antídotos à História. Pensam que têm o poder de parar a revolução mundial com o sangue de heróis. Jovens heróis. Equivocam-se ao imaginar que jatos d’água e gases lacrimejantes serão suficientes para deter a determinação dos povos contra a injustiça social ou por uma sociedade mais fraterna.
Não perceberam que a Humanidade segue o seu curso. E ninguém é idiota.
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/erra-quem-pensa-que-a-revolta-e-apenas-por-r-020/618778/

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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Acorde para a realidade


Nos próximos dias, os governos do mundo vão discutir sobre a possibilidade de tapar um buraco gigantesco de 1 trilhão de dólares anuais em evasão de impostos por grandes empresas. É dinheiro suficiente para acabar com a pobreza, colocar todas as crianças do mundo em escolas e duplicar os investimentos em tecnologias verdes! 
A maioria dos governos quer que as multinacionais poderosas paguem estes impostos, mas os EUA e o Canadá estão em cima do muro. Para conseguirmos um acordo, precisamos garantir que eles sintam a nossa pressão. 

1 trilhão de dólares é mais do que todos os países do mundo gastam com forças armadas. É um valor maior que o orçamento de 176 nações. São 1.000 dólares para cada família que habita neste planeta. E, acreditem ou não, é a quantidade de dinheiro que as maiores empresas e as pessoas mais ricas do mundo sonegam anualmente. 

Não há o que discutir! Para aumentar nossas finanças públicas em uma era de cortes dolorosos e dívidas, tudo o que precisamos fazer é garantir que todos paguem seus devidos impostos. Mas grandes empresas dos EUA estão fazendo um forte lobby para proteger suas práticas suspeitas. Uma enorme campanha pública vai ajudar a identificar e responsabilizar Obama e Harper, primeiro ministro canadense, que consideram se aliar com a corrupção ao invés de dar esse gigante passo para o avanço do planeta. 
Texto da petição do AVAAZ: http://www.avaaz.org/po/g8_tax_havens_p/

domingo, 9 de junho de 2013

Meu vizinho, o chinês e o botãozinho

Vamos supor que haja uma máquina, como essas de venda automática, esta provavelmente projetada para combater a super-população, na qual se apertaria um botãozinho e a máquina pagaria 10 reais. No mesmo instante, morreria uma pessoa no mundo. Ora, se a pessoa a morrer fosse um vizinho meu, eu não passaria nem perto da máquina.  Mas se fosse um desconhecido lá na China? Bem, há chinês demais mesmo, eu apertaria o botãozinho para ir almoçar.  E talvez me acostumasse com esse tipo de financiamento de meus almoços.  Aliás, ao chegar o período das compras de Natal, provavelmente se formaria fila na máquina.
Mas essa questão é bem mais abrangente do que parece, pois todo o processo que tem sido entendido como desenvolvimento sempre implicou em apertar botõezinhos. Com isso se formaram fortunas imensas, como se formou um poder incomensurável, enquanto se chegou à morte pela fome de mais de um milhão de pessoas por ano, enquanto se extinguiu uma quantidade enorme de espécies animais, se devastou a grande maioria das florestas do mundo, se relegou a maior parte da população do mundo a condições sub-humanas, se ameaça o equilíbrio ambiental mundial. Vamos assim mesmo continuar a apertar botõezinhos?
Mas parece que vamos. O hábito de apertá-los se tornou compulsivo, frenético. Dele depende agora toda uma sociedade do contra-senso, da inconsciência. Marchamos todos alegremente em direção ao abismo, confiando no recurso ao botãozinho.     

sexta-feira, 7 de junho de 2013

147 corporações controlam a economia ocidental


Um estudo da Universidade de Zurich revelou que um pequeno grupo de 147 grandes corporações transnacionais, principalmente financeiras e mineiro-extrativas, na prática, controlam a economia global. O estudo foi o primeiro a analisar 43.060 corporações transnacionais e desentranhar a teia de aranha da propriedade entre elas, conseguindo identificar 147 companhias que formam uma "super entidade” que controla 40% da riqueza da economia global.
http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0025995

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quinta-feira, 6 de junho de 2013

INJUSTIÇA


A renda líquida obtida em 2012 pelas 100 pessoas mais ricas do mundo, 240 bilhões de dólares, poderia acabar quatro vezes com a extrema pobreza no planeta. A conclusão está num relatório publicado pela ONG britânica Oxfam. O mundo hoje está construído para ampliar a desigualdade e não há sinais de mudança.
O relatório da Oxfam ecoa estudos e análises econômicas recentes sobre a desigualdade. Hoje, as diferenças entre os países estão diminuindo, mas a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres dentro de cada nação está crescendo. Essa é a regra na maior parte das nações em desenvolvimento e também nas desenvolvidas.
Nos Estados Unidos, a desigualdade social é tão grande hoje em dia que, nas palavras da revista The Economist, supera a das últimas décadas do século XIX, a chamada "Era Dourada" do capitalismo norte-americano. A porcentagem da renda nacional que vai para o 1% mais rico da população dobrou desde 1980, de 10% para 20%. Para o 0,01% mais rico, a bonança foi maior: sua renda quadruplicou.
Na União Europeia, a situação também é ruim. No livro Inequality and Instability (Desigualdade e Instabilidade, em tradução livre), o economista James Galbraith mostrou que, se tomada como um conjunto, a UE supera os Estados Unidos em desigualdade. Isso se explica, em parte, pelas diferenças entre os diversos países do bloco. Ainda assim, se tomadas separadamente, as nações europeias também têm observado aumento da desigualdade. Um estudo sobre o tema publicado em 2012 pela OCDE, concluiu que "desde a metade dos anos 1980″, os 10% mais ricos de cada país "capturam uma crescente parte da renda gerada pela economia, enquanto os 10% mais pobres estão perdendo terreno". No Japão, onde 100 milhões de pessoas se diziam de classe média, estudos mostram, desde o fim da década de 1990, o aumento da desigualdade a partir da da metade dos anos 1980.


E se todas as dívidas do mundo desaparecessem?


O endividamento surgiu recentemente. Durante mais de 99% da nossa história, nós não tínhamos nem a noção de dívida. Em seus primórdios, a tradição hebraica realizava esse sonho a cada sete anos. Costumava-se celebrar um grande jubileu, que dava cabo às dívidas e à escravidão econômica. Blocos de pedra em que inscreviam-se contas eram quebrados. Papiros com orçamentos, queimados. Escravos retornavam às suas famílias. A todos era oferecido um novo começo (a mesma tradição é viva atualmente com o projeto Rolling Jubilee).
Joe Brewer - Commondreams
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21435

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terça-feira, 4 de junho de 2013

INTRODUÇÃO AO DESENVOLVIMENTO GENERALIZÁVEL

Celso Waack Bueno

1 – O processo de acumulação concentradora
2  - Os quatro fatores que se opõem atualmente ao processo
3 – A proposta do desenvolvimento sustentável
4 – Recursos e capitais
5 – Parâmetros de reversão do processo
6 – Elevação progressiva da remuneração pelos recursos naturais e sua capacidade de renovação natural
7 - Elevação progressiva da remuneração pelos recursos humanos e a reposição do equivalente trabalho
8  –  Contenção do efeito concentrador da capitalização prévia
9  –  Em direção ao desenvolvimento generalizável
10 – O futuro do futuro

O que tem sido entendido como desenvolvimento é um processo de acumulação concentradora,  resultante de uma causação circular entre aumento de poder e apropriação crescente de recursos naturais e humanos, processo que nunca foi e nunca será sustentável.  

Na natureza, vida e morte são a mesma coisa, pois a vida de uns depende sempre da morte de outros – só se sobrevive matando. É um processo de soma zero. À medida em que o homem foi avançando em sua supremacia, no entanto, ele passou a consumir mais que o necessário para sua sobrevivência, levando então a que a morte superasse  a vida, e a Terra como um todo passasse a morrer progressivamente. Estamos já em um estágio muito avançado desse processo. É esse mesmo processo que está culminando em nossos dias. Tentamos revertê-lo, ou deixamos que siga seu curso?

Esse processo de acumulação concentradora gerou, além da devastação natural, a escravidão, a servidão da terra, o colonialismo, o imperialismo, o belicismo atual, todos processos de apropriação de recursos naturais e humanos, geradores de capitalização material e humana nos centros de poder.  A apropriação violenta de recursos propiciou inclusive, para esses centros de poder, o progresso cultural e científico, por sua vez postos a serviço de mais concentração de poder.  Chegamos por aí ao pior tipo de escravidão - a escravidão da mente.  Há portanto que parar urgentemente esse processo, antes que não tenhamos mais condições para fazê-lo.

Trata-se de um processo que evolui independentemente das pessoas.  Aquelas que integram as entidades que detêm poder terão que contribuir eficazmente para o crescimento dessas entidades, ou serão expelidas. As que se encontram do lado de fora não terão senão mínimas possibilidades de fazer valer seus direitos e preferências, se opostos aos interesses dessas entidades detentoras de poder. Assim, os indivíduos terão de se submeter ao crescimento contínuo dos interesses das grandes instituições, sejam privadas ou públicas, que entre elas acomodam reciprocamente seus interesses. Paradoxalmente, numa época de intensa promoção do individualismo, a capacidade dos indivíduos para defender seus direitos e interesses vai sendo reduzida a zero. Não por acaso, pois o que fortalece a defesa dos indivíduos é a ação coletiva – o indivíduo, só, frente ao poder das instituições, não tem chance de fazer valer seus interesses.  É óbvio que a promoção do individualismo debilita os indivíduos.  

Ao mesmo tempo, há uma luta constante entre as diferentes instituições pela partilha do poder. Elas se movem continuamente, às vezes associadas, para aproveitar  oportunidades de aumentar seu poder.  Seus dirigentes que não alcancem sucesso nessa concorrência tendem a perder seus postos.  Os governantes que não alcancem aumentar o PIB dos Estados que governem tendem a perder as eleições. Ninguém tem poder suficiente para deter o crescimento das instituições. Qual aprendiz de feiticeiro, o homem criou as instituições mas não tem poder para detê-las.

Na atualidade, são raros os tycoons do passado, senhores do capital dentro e fora das empresas. A propriedade do capital hoje tende a ser atomizada, e a gestão feita por executivos contratados, independente dos quais avançam as vagas sucessivas do crescimento das empresas, apenas “surfadas” por seus dirigentes de turno. E há uma substituição constante também no exercício das funções públicas. É o sistema que avança, independente das pessoas.

Esse processo de acumulação, ainda que concentradora, produziu notáveis conquistas em todas as áreas do conhecimento - um gigantesco capital material e humano, disponível agora para beneficiar a humanidade, mas que está sendo usado com prioridade para mais aumento de poder e produção, aumentos causadores das devastadoras crises social e ambiental que vivenciamos. A avaliação desse processo depende pois do uso que se faça de suas conquistas - se apropriadas socialmente ou para beneficiar grupos de interesse.  A acumulação é uma necessidade social. Sem ela não há progresso, mas não a acumulação concentradora, que é a causa de todas as distorções sociais e ambientais que enfrentamos. A acumulação pode e deve ser social, com custos e benefícios apropriados equitativamente, sendo os custos pagos pelos beneficiários. No processo atual de acumulação, o mais frequente é que os benefícios sejam apropriados privadamente e os custos pagos socialmente. Além disso, as decisões sobre a gestão do processo podem e devem ser também sociais. Não tem cabimento que a sociedade seja arrastada aos trambolhões por uma evolução técnica orientada em função dos interesses de um grupo relativamente reduzido de grandes empresas.            

Não se trata, em busca de soluções, de aumentar ou diminuir a participação do Estado na gestão do processo, ou de abrir mais ou menos a economia, ou de monitorar taxas de crescimento – o objetivo geral, medida do sucesso -, mas de entender que o problema está justamente na obsessão pelo crescimento. Faria mais sentido monitorar indicadores sociais, uma vez que o social deve ser o fim, e o econômico apenas o meio.  Ao contrário, prejudica-se o social, e o ambiental, para fazer crescer a produção, não importa do que seja, desde que gere lucros, ou recursos para pagar juros ao sistema financeiro. E eis aí outra moderna forma de escravidão: os tributos devidos ao sistema financeiro, a que estão submetidas entidades públicas e privadas, bem como pessoas físicas, todos escravizados pelo endividamento. Nas épocas agrícola, comercial e industrial eram transacionados valores reais; agora se transacionam valores fictícios – moedas sem lastro, papéis de muitos tipos lastreados por moedas sem lastro, todos com valores flutuando continuamente, em função de frenética especulação. A especulação é a causa próxima das crises; que podem colher também os bancos, embora muitas vezes por eles provocadas.  Porém  a causa remota é a prioridade geral ao crescimento econômico, inviável face aos limites físicos ao crescimento. Destaque-se que na atualidade as grandes corporações transnacionais estão associadas aos bancos, aliança que avassalou também os governos, quando não massacrou “recalcitrantes”. Agregue-se o controle dos meios de comunicação pelos mesmos grupos de poder, sob a influência dos quais as pessoas querem o que se quer que elas queiram, tanto em termos de consumo como eleitorais, e se completa um quadro geral de falta de liberdade que marca a atualidade.

Também resultou da acumulação concentradora o avanço dos meios de comunicação, que por sua vez impulsionou o intercâmbio cultural e a formação de uma espécie de fórum mundial permanente de debates sobre a situação atual e os rumos a seguir; embora seja certo que através dos próprios meios de comunicação, assim expandidos, se intensificou também todo um sistema de alienação, de triagem de informação e de controle ideológico.  Aí nesse fórum se trava pois uma batalha decisiva entre a alienação e a tomada de consciência, consciência de  que resultará a força sócio-política para nos libertar do atual processo e nos conduzir a um mundo de equidade e bem estar, ainda perfeitamente possível.

2  - Os quatro fatores que se opõem atualmente ao processo

Entrementes, quatro fatores principais vão contribuindo para o desmantelar desse processo de acumulação concentradora. O primeiro deles decorre da própria essência do processo.  É um processo já destinado a se auto-estrangular, pois alimentado pela apropriação crescente de recursos naturais, cuja disponibilidade é finita. Portanto, o próprio crescimento contínuo forçará a mudança nos padrões de produção e consumo.  Simultaneamente, a corrida aos recursos naturais remanescente vai causando crescente pressão sobre o equilíbrio ambiental, outro fator inviabilizador do atual processo.
         
Como os intoleráveis custos sociais, ambientais e econômicos do processo se tornam cada vez mais evidentes, parte crescente da elite intelectual em todos os países vai se tornando consciente da imperiosidade de substituir esse processo, passando a pesquisar novos rumos e a atuar politicamente para lográ-los. Dessa ação vêm resultando numerosas publicações, bem como marcantes participações em conferências internacionais, que vêm consolidando uma nova visão de mundo, cientificamente bem justificada, e social e moralmente comprometida.  Essa corrente de pensamento vem ganhando espaço na mídia, apesar da manipulação da informação ali reinante, e conseguindo interferir em recomendações de conferências internacionais, logrando portanto contribuir de forma importante para a rejeição do processo atual.

Movimentos sociais contra as consequências ruinosas do processo se multiplicam mundo afora, estabelecendo também vínculos entre si, tornando difícil silenciá-los por simples repressão, o que aumenta constantemente o número de pessoas conscientes. E uma consciência ganha não é mais perdida, passando a despertar outras.

Enfim, a independência dos povos coloniais, alcançada no após-guerra, inseriu no panorama internacional dezenas de novos países, nos quais, mesmo que em grande medida subordinados ainda aos interesses de suas antigas metrópoles e a outros interesses mundialmente dominantes, é impossível impedir que neles aflorem as aspirações ao desenvolvimento de suas populações, de alguma forma influindo em seu posicionamento quanto às relações internacionais. Ademais, se estabelece e se fortalece a cooperação horizontal entre eles, gerando progressivamente um novo poder, com vocação para se opor aos desmandos do poder dominante tradicional.

A resultante da influência combinada desses quatro fatores provavelmente deverá conseguir a ruptura do processo atual.  Mas há que garantir que o que aflore então seja algo muito melhor, o que não é certo.  Após a grande crise dos 30, por exemplo, aflorou o nazifascismo, após cuja derrota, bem como a queda da União Soviética, tornou-se dominante a mistificação neoliberal.  A consciência do que devemos pretender como um novo sistema deve portanto ser ampla e livremente discutida desde já, se possível logrando consenso entre os integrantes dos quatro fatores em vias de derrogar o processo atual. Objetivos claros, assim definidos, ajudarão a conscientização e a ação pela reorientação do processo atual.

3 – A proposta do desenvolvimento sustentável    
        
O discurso que tem prevalecido como proposta de alternativa é o do desenvolvimento sustentável, que tem tido ampla difusão, por desenvolvimento sustentável sendo entendido aquele que pode ser levado ao futuro. A própria escolha do termo já é o reconhecimento de que estamos face a um processo insustentável, dado o grau de esgotamento de matérias-primas e deterioração ambiental a que chegou o processo entendido como desenvolvimento.

Documentos das Nações Unidas têm caracterizado vagamente o desenvolvimento sustentável como aquele que não exerça pressão excessiva sobre os recursos naturais e o equilíbrio ambiental. O uso da expressão pressão excessiva causa, no entanto, incerteza na implementação da diretriz, dificultando-a, por ser difícil, senão impossível, determinar a partir de que ponto a pressão sobre cada um dos diferentes recursos será excessiva; ou em que ponto, ou quando, a pressão sobre o conjunto dos recursos naturais e o ambiente será excessiva. Nessas condições, a proposta do desenvolvimento sustentável se reduziu a um apelo para que sejam apropriados menos recursos, sem qualquer mecanismo que impeça que ocorra o contrário, mesmo porque não haveria clareza para definir quais medidas deveriam ter cumprimento obrigatório.  Tudo resultou em como se a situação atual demandasse apenas “algumas melhorias”.  A despeito de sua indefinição básica, no entanto, a conferência das Nações Unidas Rio 92, editou uma extensa série de recomendações, não conflituosas, objetivando melhorias ambientais e sociais, para terem cumprimento ao longo do século XXI; mas os resultados expostos nas conferências Rio+5, Rio+10, Rio+15 e Rio+20 mostram que o cumprimento das recomendações tem sido pequeno.

O próprio conceito de desenvolvimento sustentável dificulta a definição de objetivos, e portanto também a implementação de mudanças. Há profundas diferenças em quanto a padrões de vida, dentro de países e entre países. Que padrões se trataria de sustentar? Se os padrões elevados, sustentá-los implicaria manter também as diferenças de padrões, pois os padrões elevados dependem dessas diferenças.  Nesse caso o desenvolvimento sustentável resultaria em manter a atual situação de convivência entre desperdício e privação, a menos que sua conceituação incluísse a convergência de padrões, o que não ocorre.

O discurso, tão intensamente difundido, pelo desenvolvimento sustentável, tem assim resultado, seja por insuficiência conceitual ou por insuficiência de vontade política, apenas em medidas restritas e superficiais, quase cosméticas, enquanto remanesce a impotência frente a uma crise social e ambiental que se agrava.

4 – Recursos e capitais  
                   
O homem é um recurso natural, um animal que se destacou pela bem maior capacidade cerebral, que o distingue como recurso humano.  Esse recurso humano, usando o poder de sua maior capacidade cerebral, passa a se apropriar crescentemente dos demais recursos, bem como a transformar muitos deles às conveniências de seu uso e produção. Ao assim transformar os recursos naturais, passa a ser criado o capital material, e ao transformar os próprios  recursos humanos, gerando o conhecimento, passa a ser criado o capital humano. Todo o processo evolutivo envolvendo seres humanos se dará então em função da interação entre os dois tipos de recursos e os dois tipos de capital.  Também se atribui a qualidade de capital ao conjunto de instrumentos monetários e financeiros, o que parece inadequado, pois eles só manipulam recursos e capitais, com vistas ao aumento de seu próprio poder, enquanto a percepção de capital é a do que seja criado para aumentar a eficiência de atuação, em mínima escala entre animais, e em crescimento geométrico entre humanos.

O processo entendido como desenvolvimento tem implicado valorização dos capitais (material e humano)  e da acumulação financeira, à custa da desvalorização dos recursos (naturais e humanos). Da apropriação crescente dos recursos naturais e do esforço de trabalho, em grande medida para criar bens supérfluos, resulta a devastação natural e humana, interpretada no entanto como responsabilidade das populações afetadas, tidas como “atrasadas”.  Não se trata de “atraso”, mas do resultado do processo de acumulação de amplitude mundial. A acumulação financeira, por sua vez, opera uma pletora de instrumentos monetários e financeiros, a maioria despida de lastro ou de garantias reais, cujos valores nominais variam continuamente, ao sabor da especulação e da corrupção. Mas é por meio da manipulação desse tipo de instrumentos que se governa o mundo hoje em dia.

Essas incongruências, que levam à deterioração crescente das condições sociais e ambientais, não são claramente percebidas por ser o processo visto sob a ótica das ilusões monetário-financeiras, que não permite a percepção das relações reais que subjazem. Poder-se-ia, no entanto, equacionar de maneira menos distorcida as relações entre os diferentes tipos de recursos e capitais.  Excluídos os instrumentos monetário-financeiros, os capitais e recursos dotados de valor real entrariam numa equação com as variações percentuais de seus montantes, expressas tanto como positivas como negativas, isto é, tanto como aumento como diminuição. Para os recursos naturais o aspecto positivo seria o da reposição da devastação havida. Para o capital material o aspecto negativo seria o da depreciação.  E para o capital humano, por envolver um complexo de fatores, o mais prático por enquanto seria adotar os avanços e eventuais recuos do IDH.  Todas as variações computadas seriam expressas em termos percentuais, referidas ao ano imediatamente anterior; percentuais que para ser calculados necessitariam das séries de quantidades absolutas também, cujo cálculo é tratado no capítulo 6 adiante. Isto posto, uma equação básica retratando o desenvolvimento poderia ter a seguinte expressão:


Desenvolvimento (Dev) =
Variação líquida  percentual do capital material (K mat) +  
+ Variação líquida percentual do capital humano (K hum) +
+ Variação líquida percentual da disponibilidade de recursos naturais (D nat)
Que, em uma expressão sintética, seria:
% Dev  = % K mat  + % K hum + % D Nat,    
sendo o desenvolvimento entendido como um processo de capitalização material e humana, em equilíbrio com o ambiente natural.

Se o resultado final da equação for negativo, ou zero, não houve desenvolvimento no ano considerado no país considerado, o que poderia ocorrer com uma variação negativa da disponibilidade natural que superasse ou igualasse a capitalização positiva material e humana.  A equação poderia ser referida a uma região menor, por exemplo um município, como poderia ser tomada até mesmo em sua dimensão mundial, e poderia também ser referida a diferentes intervalos de tempo.  A questão de uma medida aplicável às três variáveis é contornada por se tomar nos três casos a variação percentual, e se atribuir às três  variáveis  o  mesmo  peso.   Pode-se  ter  em  mente  ademais  que  seria  lógica  e conveniente a adoção universal do tempo de trabalho como numerário (Bueno, 1997 e 2010).

5 – Parâmetros de reversão do processo   
                             
Tudo tem pois origem no super-uso de recursos, um problema que se iniciou com o advento do homem, mas que poderá o estar levando à sua própria extinção. A partir dessa problemática é que se deve equacionar a solução, não da “crise atual”, mas da situação insustentável a que chegamos, agravada com o desmoronar desse processo inviável, cujo fim inevitável se aproxima. O que deve ser equacionado, portanto, é como tentar reverter esse processo em tempo, ordenadamente e sem traumas, o que implicaria uma importante mudança cultural e psicológica: o abandono da mística do crescimento a qualquer custo, e sua substituição pela mística do progresso em equilíbrio.

Não vivemos uma situação crítica que possa ser resolvida com recomendações brandas, de cumprimento não obrigatório, que é o perfil dos discursos políticos e dos documentos das conferências internacionais, tendentes a “melhorar” a situação atual. No caso, por exemplo, da maior reserva florestal ainda existente – a Amazônia –, governos se ufanam de que tenha diminuído a taxa de desmatamento da floresta, isto é, continua o desmatamento.  No caso da já mencionada conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, a Rio-92, que produziu uma grande série de documentos com recomendações já brandas, mas assim mesmo o cumprimento, como já comentado, foi pequeno. A conferência das Nações Unidas de 1974, mais incisiva, que recomendou o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NIEO, em inglês), foi relegada ao esquecimento.  

Mas é justamente ao espírito da década dos 70 que precisamos voltar, para empreender urgentemente a mudança do atual sistema como um todo. É preciso estabelecer uma estratégia conjunta para todos os setores. Não confundir no entanto com planos imperativos detalhados. É importante preservar a independência e a criatividade geral. O que é necessário é o estabelecimento, consensual se possível, de um mínimo de diretrizes gerais que garantam condições para a evolução de todas as ações de forma compatível com objetivos sociais consensualmente definidos.

Como se torna evidente que a causa geral do complexo de problemas de que padecemos é o processo de acumulação concentradora, sua reversão tem de ter como norte a redistribuição, a um ritmo definido consensualmente, mas de cumprimento obrigatório. E as diretrizes básicas paramétricas, conducentes à redistribuição, seriam no menor número possível. Tudo o mais, desde que não contrariando as diretrizes paramétricas, ficaria em liberdade. Enfim, como o que aciona esse processo concentrador é a sub-remuneração pelos recursos naturais e humanos, resulta que a elevação progressiva da remuneração pelos recursos naturais e humanos seja a diretriz paramétrica pretendida.

6 – Elevação progressiva da remuneração pelos recursos naturais e sua capacidade de renovação natural  
              
O sistema atual escassamente remunera os recursos naturais em si, abrindo caminho para sua apropriação predatória e seu consumo perdulário. Geralmente o que é pago é o custo de extração da matéria-prima e o custo de seu transporte, bem como os lucros respectivos e eventuais impostos, mas os recursos em si praticamente não são remunerados, como se fossem bens livres.

Já se trava de há anos uma discussão sobre esse assunto, com a participação de alguns técnicos do Banco Mundial (Goodland e Daly, 1991), que advogam a inclusão do valor do recurso em si nas Contas Nacionais, o que tem sido denominado esverdeamento  das Contas Nacionais.  Na verdade esse esverdeamento deveria ser procedido em todo o cálculo econômico, não só nas Contas Nacionais.  Que valor atribuir aos recursos apropriados, uma vez que os preços de mercado via de regra nem lhes atribuem valor em si? O valor que se tende a adotar é o custo de reposição do recurso. Assim, o valor de uma árvore seria o custo de tê-la com igual nível de crescimento, do solo arável o custo de recuperar sua fertilidade, e assim por diante. Seria muito caro? Mas não era mesmo de se esperar que a natureza valesse pouco. Ou pagamos o que ela vale, ou teríamos de procurar outro planeta habitável para destruir. E tenhamos em conta que o prejuízo que estamos tendo com a devastação natural é dessa ordem. As séries compostas por valores absolutos, mencionadas no capítulo 4, terão de ser calculadas dessa forma, mas nas equações ali tratadas torna-se mais prático usar as variações percentuais. Para os usuários do sistema poderiam ser disponibilizados por organismos centrais valores padrão.  Há porém um outro aspecto do cálculo a considerar, além de seu esverdeamento,  que é o cálculo dos custos indiretos, por custo indireto sendo entendido aquele relativo aos insumos adquiridos para a produção. Esse aspecto será tratado no próximo capítulo.

A elevação da remuneração pelos diferentes recursos naturais iria sustando sua apropriação predatória, em direção à posição de equilíbrio, em que a apropriação se dê em nível que não ultrapasse a taxa de renovação natural de cada recurso.  As disponibilidades estimadas de cada recurso, bem como suas taxas estimadas de renovação natural, poderiam ser divulgadas anualmente por organismos centrais. Mesmo antes que seja atingido essa situação limite, o aumento dos preços das matérias-primas estaria elevando  os preços dos produtos finais, do que resultaria então diminuição da procura e evolução em direção a padrões mais sóbrios, o que por sua vez diminuiria a corrida aos recursos, passando tudo a convergir para um processo de produção e consumo compatível com a disponibilidade de recursos naturais.

No que tange aos recursos naturais não renováveis, isto é, os minérios, a elevação dos preços de cada um, reduzindo a demanda,  possibilitaria o alongamento do horizonte de seu esgotamento, dando mais tempo para o desenvolvimento de substitutos; devendo ser levado em conta que os minerais metálicos e os combustíveis fósseis deverão todos atingir o máximo possível de produção ainda ao longo deste século XXI (Leontief, 1977). No limite, se daria a completa substituição dos recursos não renováveis por recursos renováveis.   

Por outro lado, a elevação dos preços das matérias-primas aumentaria a renda dos países que as exportam, permitindo aí uma progressiva evolução para melhores padrões, como mais recursos para investimento e programas sociais; enquanto nos países industriais seriam condicionados padrões mais sóbrios, numa convergência, aliás objetivada por este primeiro parâmetro.. Tais mudanças não necessariamente resultariam em prejuízo para a economia dos países industriais, uma vez que, como comentado nos relatórios da Social Democracia (1980 e1985), a ampliação progressiva do poder de compra nos países exportadores de matérias primas iria inserindo no mercado bilhões de excluídos, o que possibilitaria a redecolagem da economia mundial.  Tratar-se-ia não de uma redução, mas de uma mudança do perfil do mercado mundial, com aumento da produção de bens mais econômicos, substituindo progressivamente a produção para alimentar padrões de desperdício, num avanço em direção ao equilíbrio, portanto.

Essa concepção de administração de preços poderia ser implementada por um sistema permanente de acordos, no âmbito de câmaras com atuação não muito diferente das negociações atualmente realizadas na OMC, podendo as disponibilidades de cada recurso e suas taxas de renovação ser divulgadas anualmente por organismos internacionais.  

Paralelamente, poder-se-ia proceder à recuperação das perdas do capital natural, na medida do que isso seja ainda possível, rateando os custos entre os beneficiários dessa recuperação, sendo que boa parte será de benefício geral, devendo seus custos então ser socializados. Adicionalmente poderiam ser definidos índices de perda da fertilidade dos solos, com máximo que não possa ser ultrapassado e com taxação proporcional aos índices alcançados. Enfim, poderiam ser estabelecidos estímulos a quem se disponha a recuperar solo tornado estéril, ou reflorestar.

7 - Elevação progressiva da remuneração pelos recursos humanos e a reposição do equivalente-trabalho
                                  
A sociedade mundial é estruturada em uma pirâmide de remunerações pelos recursos humanos. Na base estão os trabalhadores rurais sem terra dos países exportadores de matérias primas. No ápice as elites que porfiam por exibir padrões de desperdício nos países industriais. Essa pirâmide está em equilíbrio dinâmico. Mantendo-a inflada fluem transferências de esforço de trabalho da base até o ápice, viabilizando padrões crescentes de consumo. No ápice da pirâmide há uma abertura, que libera a fumaça da queima de esforços de trabalho pelas elites.  É uma pirâmide fumegante. Se for interrompida a alimentação na base, ou a queima no ápice, a pirâmide desinflará – todo o sistema se desfaz. A expropriação dos recursos humanos é portanto necessária para alimentar o poder de compra nos diferentes níveis, que são relativos a que haja rendas menores abaixo. Já no ápice o desperdício é necessário para absorver o excedente ali acumulado, do contrário a demanda não absorverá toda a oferta; entrando-se em uma retração, que se transmitirá a todos os níveis, pelo desemprego e queda de renda. Salvo nos extremos superior e inferior, somos todos expropriados e expropriadores, pois nossos padrões de consumo não se manteriam se não houvesse abaixo pessoas ganhando menos que nós produzindo os bens que consumimos. As diferenças de renda são portanto indispensáveis, essenciais, ao sistema atual, assim como garantidoras de sua manutenção.  A eliminação dessas diferenças resultaria portanto na eliminação do próprio sistema, razão pela qual este segundo parâmetro preconiza a elevação progressiva das remunerações pelos recursos humanos, instrumentada pela elevação dos salários de base e facilidades para o acesso à terra.
O baixo nível salarial nos países exportadores de matérias-primas barateia suas exportações, favorecendo a expansão da produção nos países industriais, enquanto mantém reduzido o mercado interno, dificultando a industrialização e perpetuando a condição de vendedor de matérias-primas baratas e trabalho barato, para comprar bens industriais , ou simplesmente quinquilharias, produzidos fora.  Por outro lado a dificuldade de acesso à terra gera o excedente de mão de obra, que vaga pelo país oferecendo seus serviços por qualquer preço. Ou migra para o exterior, aí também contribuindo para reduzir salários e aumentar o desemprego. O acesso à terra nos países exportadores de matérias- -primas é portanto, em última análise, uma conveniência mundial.

Ademais, o sistema de trocas comerciais internacionais transfere quantidades consideráveis de trabalho dos países de menores salários para os de maiores salários.  As trocas se fazem com base no equilíbrio monetário, mas, como há diferenças salariais envolvidas, os salários maiores perfazem o valor da troca com quantidades menores de trabalho, e os salários menores com quantidades maiores, isto é, compra-se muito trabalho com pouco trabalho – mais uma sangria de esforço de trabalho, transferido dos países exportadores de matérias-primas para os industriais. Para captar melhor esses montantes de esforço de trabalho transferidos nas trocas, pode-se efetuar o cálculo de custos dos produtos em tempos de trabalho.

Calcular o custo de um produto em tempos de trabalho é o mesmo que computar o trabalho direto e indireto incorporado ao produto, isto é, seu equivalente-trabalho. Para isso há dois tipos de trabalho a considerar – o trabalho direto, empregado na unidade de produção que entrega o produto na forma em que os custos estão sendo calculados, e o trabalho indireto, incorporado em todos os insumos utilizados por aquela unidade de produção na elaboração do produto.  Cada insumo terá também, no entanto, seus trabalhos indiretos, e assim sucessivamente, o que faz com que os cálculos sigam se ramificando numa grande árvore de dados necessários, embora a adição ao custo dessas sucessivas etapas vá tendendo assintoticamente a zero. Mas será sempre um montante considerável de dados, o que torna praticamente impossível captá-lo em sua totalidade.   No entanto, já há como desenvolver cálculos, de razoável grau de aproximação, em nível de médias anuais para cada atividade produtiva, médias que seriam então aplicadas aos insumos de cada caso específico. Para tanto, pode-se utilizar o sistema das matrizes de insumo-produto, em especial a matriz de Leontief, dita de impacto, a qual permite chegar a estimativas do agregado de custos indiretos por unidade monetária de um produto, que aliás podem também ser convertidas em trabalho indireto (Bueno, ops cits)

O cálculo do equivalente trabalho dos dois lados de uma transação comercial vai mostrar que, via de regra, o comprador despende menos trabalho, para gerar os recursos para a compra, que o utilizado na produção do que ele compra, isto é, os balanços de horas de trabalho envolvidas nas transações são desequilibrados, mas, com a elevação salarial do lado tributário,  estariam se tornando mais equilibrados, em  direção à reposição do equivalente trabalho, que seria o equilíbrio. Na medida em que se elevem as remunerações nos níveis inferiores, e portanto também o poder de compra nesses níveis, irá também sendo reduzido o poder real de compra acima, convergindo o processo em seu conjunto para padrões mais equilibrados, mais sóbrios, menos dependentes da apropriação do esforço de trabalho dos níveis abaixo. Seria uma elevação progressiva, mas já propiciando melhorias ao longo. Sua efetivação poderia ser feita por acordos de âmbito mundial, que estabeleçam pisos salariais crescentes e, onde couber, quotas de assentamentos rurais.

Essa melhoria de condições, para as multidões que constituem a gigantesca base do sistema de transferências de esforço de trabalho, se converteria na verdade em um gigantesco processo de capitalização humana.  A par da notória perda de recursos naturais, o processo atual induz também um imenso desperdício de recursos humanos, pois bilhões de excluídos são mantidos no limiar da inanição, sem a menor condição para realizarem seu potencial produtivo e criativo, o que se constitui num prejuízo para toda a humanidade que, fosse outro o processo, se beneficiaria do aproveitamento do potencial produtivo e criativo desses bilhões de excluídos.  Vários estudos e declarações convergem para essa interpretação.  Em O Futuro da Economia Mundial (Leontief, 1977), empreendido pelas Nações Unidas e coordenado por Wasssily Leontief, já está a conclusão de que o problema do mundo não é o da escassez de recursos, mas a sua má distribuição,   Os dois grandes relatórios da Social Democracia, o de 1980 coordenado por Willi Brandt (Brandt, 1980)  e o de 1985 coordenado por Michael Manley (Manley, 1985), argumentam pela vantagem global dessa inserção social. O Nosso Futuro Comum (Brundtland, 1997), também empreendido pelas Nações Unidas, coordenado por Gro Harlem Brundtland, está repleto de afirmações nesse sentido. Mikhail Gorbachev, em Perestroika (Gorbachev,1985), afirma ser imperativo reverter o atual processo, pois “bilhões de habitantes do Terceiro Mundo têm o direito de viver como seres humanos”.  E assim por diante.

8  –  Contenção do efeito concentrador da capitalização prévia
               
Há, portanto, um processo generalizado de transferências de esforço de trabalho nas trocas comerciais, quer em níveis nacionais, como em nível internacional.  São transferências que resultam de que um dos lados envolvidos nas trocas não recebeu de volta todo o trabalho direto e indireto, isto é, o equivalente-trabalho, utilizado na produção do que entregou na troca. Não foi reposta, pois, a quantidade de trabalho fornecida. Em outras palavras, não houve a reposição do equivalente trabalho, pois  parte foi transferida na troca.

Tem evidência axiomática, portanto, que toda transação que não reponha o equivalente trabalho transfere uma quantidade de trabalho. Isso tem dois corolários.  Primeiro que o trabalho transferido viabiliza capitalização humana e material do lado beneficiário.  Segundo que essa capitalização fica incorporada ao equivalente trabalho das produções desse lado beneficiário, passando a requerer também trabalho em troca.  Estabelece-se assim um processo cumulativo.

Dessa seqüência se pode concluir então algo como um teorema:
Toda transação que não reponha o equivalente-trabalho induz um processo cumulativo de transferências de esforço de trabalho.

Mas a transferência indutora desse processo cumulativo deve ter resultado de capitalização prévia, como sua antecessora, e assim por diante. Isto é, há um processo histórico de ampliação de diferenças geradas pela capitalização prévia, que resultam ser diferenças de poder. O poder é isso – capitalização prévia.

Se alcançada a operacionalização dos parâmetros, a progressiva elevação das remunerações pelos recursos naturais e humanos iria reduzindo a remuneração real pela capitalização prévia, ademais de prover recursos para a capitalização nos países hoje dedicados à exportação de recursos naturais e humanos. Além disso,  a disponibilidade de recursos naturais se acha em sua maior parte nos países que os exportam, constituindo-se para eles em uma vantagem a desfrutar, ainda mais com a elevação das remunerações pelos recursos naturais, vantagem que facilitaria a aceleração da capitalização material e humana nesses países.  Essas induções de capitalização nos países exportadores de matérias-primas iriam assim neutralizando os efeitos da capitalização prévia..   

Chegar-se porém à adoção dos parâmetros passa pelo crescimento da ação política nesse sentido.  Mas a realidade que se desvenda pouco a pouco perante a opinião pública vai se sobrepondo à desinformação orquestrada pelo sistema, ampliando a consciência da necessidade urgente de reverter o atual processo, o qual já está aliás sob pressão crescente provinda das quatro frentes tratadas no capítulo 2.

9  –  Em direção ao desenvolvimento generalizável
                        
Há amplo espaço, em qualquer país do mundo, para a redução das diferenças de renda e de padrões de vida.  Mesmo nos países de renda mais alta, há bolsões de pobreza que não precisariam existir. Baran e Sweezy  já haviam argumentado, em Monopoly Capital (Baran e Sweezy, 1966) que nos Estados Unidos, com 2% da renda dos extratos mais elevados se terminaria em pouco tempo com a pobreza no país. Nos países de maior concentração de renda, com 1% da renda dos 10 % mais ricos se dobraria a renda dos 10% mais pobres. Promover um processo de convergência de remunerações e padrões, no quadro do avanço para o desenvolvimento generalizável, poderia portanto ser feito sem traumas ou maiores sacrifícios.

É da essência do desenvolvimento generalizável promover um processo como esse, de convergência de padrões para níveis médios, em que todos pudessem se acomodar. Níveis que, como a informação disponível já permite confirmar, serão satisfatórios, contando com os recursos ainda disponíveis na Terra, que serão ademais potencializados com a cooperação geral que se estabelecerá.  O desenvolvimento generalizável é aquele que possa ser levado a todos; é um avanço progressivo, orientado pela convergência, em direção à equidade; ao mesmo tempo em que, pelo uso mais racional e eficiente dos recursos naturais e humanos, tornaria possível promover a melhoria dos padrões de vida sem aumentar a pressão sobre as disponibilidades de recursos naturais e o equilíbrio ambiental. Em suma, um desenvolvimento social e ambientalmente equilibrado.

No ideário do desenvolvimento sustentável já está a diretriz de não exercer pressão excessiva sobre as disponibilidades de recursos naturais e sobre o meio ambiente, mas sem referência ao como, isto é, sem referir à necessidade de parar a acumulação concentradora, que é a causa das distorções que se pretende eliminar, ou referir a qualquer outra forma de reorientar o processo em seu conjunto, o que reduziu a proposta do desenvolvimento sustentável a uma simples intenção, e a mudanças restritas, sem força para alterar a essência do problema. O ideário do desenvolvimento generalizável incorpora essa essência, partindo da eliminação progressiva da acumulação concentradora, para o avanço progressivo em direção a padrões de equilíbrio – social e ambiental.  

A elevação das remunerações pelos recursos naturais irá provocando várias tendências a melhorar as condições socioeconômicas dos países seus exportadores, ainda que a quantidade exportada tenda a diminuir, pois a diminuição da exportação de recursos naturais é um objetivo em si, enquanto a elevação das remunerações elevará o valor agregado das exportações remanescentes, favorecendo a transformação dos recursos no próprio país exportador. Ademais, a diminuição da apropriação dos recursos naturais é um objetivo a ser alcançado – diminuição que se pretende que prossiga até estar abaixo da taxa de renovação natural de cada recurso.

Já quanto aos recursos naturais não renováveis – os minérios –, a elevação das remunerações retardaria seu esgotamento, dando mais tempo para o desenvolvimento de substitutos, bem como para sua substituição por recursos renováveis.

No caso especial das florestas tropicais, de enorme importância para o equilíbrio ambiental mundial, sua preservação é um objetivo primordial em si. Mas há o interesse econômico pelo aproveitamento das enormes riquezas aí contidas. No contexto da evolução aqui pretendida, no entanto, há solução que conciliaria interesses econômicos, sociais e ambientais, mantendo a floresta em pé. Podem ser adotadas culturas adaptáveis à sombra das florestas, que as há em bom número, havendo também a oportunidade de desenvolver de forma racional a atividade de coleta, que é a verdadeira vocação das áreas florestais, pois a árvore em pé rende muito mais, com seus produtos, que o seu abate para venda de madeira. Além disso, esse tipo de atividade acomoda os indígenas em seu ambiente, pois a eles pode ser reservada a coleta, gerando-lhes renda, sem a necessidadede trazê-los para a nossa “civilização”, onde os esperam a prostituição e o alcoolismo.  Os projetos viários, os de geração de energia e de extração de minérios não são necessariamente incompatíveis com os projetos de preservação ambiental e proteção das comunidades indígenas. Eles podem ser acomodados, com estudos técnicos competentes e negociações honestas. Com o que não há acomodação é com os interesses insaciáveis da acumulação concentradora, pretendendo solos nus para criação de gado e exportação de carne, ou plantio e exportação de alimentos para gado.               

Quanto à elevação das remunerações pelos recursos humanos, isso implicaria a elevação progressiva dos salários de base e a viabilização do acesso e permanência na terra. O aumento dos salários de base iria, pela diminuição das transferências de esforço de trabalho na pirâmide de remunerações, promovendo uma convergência em direção a níveis médios. O recurso à outorga de subsídios assistencialistas, sem mexer nos níveis salariais, se assemelha a uma ação para conter tensões sociais preservando os interesses do modelo exportador, que contribui para gerá-las, pois o aumento de salários encareceria as exportações, não os subsídios assistencialistas, cujos custos são socializados, via aumento do gasto público. Já a ampliação do acesso à terra, ao contrário, afetaria a principal causa de baixos salários e desemprego em nível mundial, que está na grande oferta de mão de obra barata proveniente dos países em que o acesso à terra é dificultado.  Na ótica dos tempos de trabalho, esse aumento das remunerações pelos recursos humanos representaria um progressivo avanço em direção à reposição do equivalente- trabalho, que seria o equilíbrio.

Quaisquer dessas medidas serão justificáveis por si, mas também conducentes ao desenvolvimento generalizável.  Esse processo objetivado no contexto do desenvolvimento generalizável, convergente para uma renda média, é o único viável, pois qualquer afastamento em relação a esse tipo de igualdade impulsionará de novo a reprodução da acumulação concentradora.  O desenvolvimento generalizável é, portanto, além de desejável, necessário.

Até aqui foram comentadas condições de um desenvolvimento generalizável.  Mas como seria a sociedade mundial se já tivéssemos percorrido todo o desenvolvimento generalizável, até chegar ao desenvolvimento generalizado?

10 – O futuro do futuro                      

Em um mundo presidido pelo desenvolvimento generalizado, pode-se presumir quais seriam os mecanismos sociais. A apropriação dos recursos naturais renováveis estaria limitada a sua renovação natural. A apropriação de minérios estaria substituída por recursos renováveis. A apropriação do trabalho estaria condicionada pela reposição do equivalente-trabalho. O valor da hora de trabalho seria seu equivalente-trabalho, isto é, incorporaria o custo indireto da formação profissional.  Os efeitos da capitalização prévia estariam extintos. A acumulação concentradora teria dado lugar à acumulação social. O setor financeiro teria desaparecido. A moeda, então universal, seria a moeda-hora, mas provavelmente sem circulação manual, pois digitada, por partidas dobradas, isto é, nas contas do pagador e do recebedor, inclusive salários, em um banco de horas universal. O juro teria desaparecido, mas não necessariamente o crédito, então sem juro, operado pelo próprio tomador no banco de horas, de acordo com condições pré-estabelecidas. A eficiência do processo produtivo levaria a jornadas de trabalho menores, não ao desemprego. Não haveria guerras, pois haveria sido extinta a motivadora de guerras, que foi sempre a acumulação concentradora. O trânsito internacional de pessoas, mercadorias e dinheiro (este por via eletrônica) seria livre, à exceção de razões sanitárias. Educação e saúde, como qualquer outro serviço público, seriam mantidos pelas contribuições necessárias e suficientes, decididas socialmente e debitadas diretamente no banco de horas. Projetos de investimentos, se de interesse social, seriam pagos como os serviços, mas se de interesse particularizado ou localizado, seriam pagos por seus beneficiários. Devido à enorme expansão do sistema de comunicações, o transporte de pessoas se reduziria a um mínimo, pois a grande maioria das atividades profissionais seriam desenvolvidas do próprio domicílio, e grande parte das viagens, ou mesmo dos espetáculos, seria substituída pelo desfrute através da internet, tudo pago, quando for o caso, via internet e banco de horas. Jornais, livros, filmes, conferências e documentos estariam disponíveis on line, mas a mídia estaria sujeita a conselhos fiscais sociais, para evitar distorções de informação.  

Nesse tipo de sociedade, seriam geradas contradições e conflitos?  Ao nosso nível de entendimento atual, aparentemente não haveria razões para sua ocorrência. Se assim for, com o desenvolvimento sustentado ter-se-ia um longo período de estabilidade social, a menos que a criação de conhecimento, e conseqüente introdução de inovações tecnológicas, tenha sido de tal ordem, que viesse a induzir um novo processo de transformações sociais.  


Referências bibliográficas   
                                                                                                 
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