O que se pode chamar de economia internacional foi tomando forma com as grandes navegações, isto é, com a expansão comercial, viabilizada pela utilização de um tipo de embarcação capaz de atravessar os oceanos – a caravela -, ademais equipada com armas de fogo, produzidas na Europa com a pólvora inventada na China, onde era usada para fogos de artifício. É a partir da utilização desse meio de destruição que se irá firmando o poder de nações que o detinham, num processo circular de aumento de meios de destruição e aumento de poder, em crescendo até a atualidade. Até então os países europeus eram bem menos sofisticados que os do Oriente, mas a partir dessa concentração de poder, assim alcançada, se forma também o mito da superioridade racial européia, isto é, branca.
O crescimento da produção para comércio [este assunto é introduzido sem ter sido anunciado ou contextualizado antes] vai mudando a lógica do processo de produção, antes orientado por uma perspectiva de atendimento das necessidades do consumo e portanto limitado pela saciedade dessas necessidades. Com a produção para o comércio, a lógica é a do aumento do lucro por ele proporcionado, não tendo esses limites portanto, em outro processo que vem num crescendo até hoje. Se a lógica passou a ser produzir cada vez mais, então o homem vai utilizar sua inteligência para a invenção de aparatos que aumentem a capacidade de produção, que são as máquinas, com o que se vai ingressando na fase industrial. Assim, a expansão comercial gerou a expansão industrial, como no passado o interesse crescente na Europa por trazer produtos finos do Oriente induziu a formação de empreendimentos comerciais, cujo poder crescente os conduziu a posição hegemônica.
Na verdade, o crescimento da produção industrial que se seguiu tem também seus limites, que são as disponibilidades de recursos naturais para alimentá-lo, do que já tinham consciência os autores clássicos britânicos, todos eles. Malthus com sua conhecida posição quanto à carência alimentar, mas Smith, Ricardo e Stuart Mill foram explícitos quanto à impossibilidade da Inglaterra continuar seu crescimento industrial com base em sua própria disponibilidade em recursos naturais. Smith já tinha entrevisto, no entanto, e Ricardo especificou e completou, a proposta de solução via especialização internacional da produção, no quadro geral do liberalismo econômico, o pilar central do ideário dos clássicos. Através da aceitação da lei das vantagens comparativas, as nações se foram especializando naquilo para o que tinham melhores condições para oferecer às trocas internacionais, isto é, os países industriais em bens industriais, os demais como fornecedores de matérias primas, outro sistema que vigora até a atualidade.
Dir-se-ia que já não é bem assim, pois os exportadores de matérias primas também já estão se industrializando. No entanto, a maior parte do capital utilizado nessa produção industrial provem das potências industriais, capital atraído a esses países pela ampla disponibilidade de mão-de-obra barata, recursos naturais disponibilizados a custo quase zero, abundância de fontes de energia e favores governamentais, por governos empenhados “no desenvolvimento”, isto é, no crescimento a qualquer custo, Assim sendo, segue a exportação de recursos naturais e esforço de trabalho a baixos preços, agora embutidos nos bens industriais exportados, sendo os lucros maiormente remetidos para os países de origem do capital. Esse novo perfil do processo vai no entanto gerando importantes transformações.
Forma-se crescentemente mão-de-obra qualificada e capacidade gerencial nos países que abrigam esse tipo de industrialização, assim como se filtra para a economia local considerável quantidade de renda, com resultante aumento do potencial de mercado e seus efeitos multiplicadores. Mas se acelera aí a exploração predatória de recursos naturais e a conseqüente deterioração ambiental. A ser incorporado ao cálculo econômico o valor dos recursos naturais apropriados na produção, o resultado seria provavelmente o de que o valor da descapitalização natural supera a capitalização material, isto é, com sua ilusão desenvolvimentista esse países estão provavelmente descapitalizando, o que compromete as possibilidades de que venham a alcançar no futuro condições de bem estar para a maioria de suas populações, mantidas no passado e no presente em condições precárias de vida, problema que pode ser momentaneamente atenuado, mas não resolvido, com assistencialismo. Ademais, as regras impostas por organizações internacionais, ou pelo Consenso de Washington, vedam a adoção por esses países de medidas protecionistas, as quais foram o motor do desenvolvimento de todas as nações industriais, sem exceção, e continuam sendo por elas adotadas. É bem conhecida a posição de Hamilton nos Estados Unidos, Meiji no Japão, List e Bismarck na Alemanha, e outros, todos promotores do protecionismo, que conduziu seus países a posições privilegiadas. A adoção de medidas protecionistas pelos países exportadores de matérias primas enfrenta porém na atualidade forte oposição.
Nos países industriais, a migração de milhares de indústrias para países exportadores de matérias primas gerou altas taxas de desemprego, enquanto o fato de que as empresas que migraram exportam de volta aos países industriais, incluso para os de sua origem, grandes quantidades de produtos a baixos preços gera nesses países avultados déficits comerciais. Desemprego e déficits comerciais se constituem em uma parte importante das causas da situação de crise em que se encontram esses países. Essa migração de indústrias também vai acentuando uma tendência para que as potências industriais tenham seu perfil de investimentos deslocado para os serviços e para o setor financeiro, aliás curiosamente de acordo com o proposto em 1972 pelo Limits to Growth, do Clube de Roma. Esse crescimento do setor financeiro, por sua vez, ao expandir-se exageradamente, abarcando de forma crescente áreas de risco, acabou, pela alta inadimplência, gerando a outra parte da crise que acomete as nações industriais no presente.
O processo de acumulação padece de compulsão ao crescimento, não apenas pela busca incessante do lucro, mas também porque ele não se coaduna com a estabilização. A industrialização gerou o setor de produção de bens de capital, que praticamente não existia na economia de base agrária. As crises de então estavam ligadas a condições climáticas – os anos de “vacas gordas” e de “vacas magras” das escrituras. Na economia industrial as crises passam a ser parte do processo. O setor de bens de capital produz para repor a capacidade instalada e para atender ao aumento da produção. Se a economia cresce a taxas constantes o setor de bens de capital se estabiliza. Mas se houver uma redução na taxa de crescimento, o setor de bens de capital já entra em retração, gerando ali desemprego, cujos efeitos repercutem nos demais setores, pela redução da renda correspondente a esse desemprego, podendo gerar então mais redução da taxa de crescimento, avançando a gestação da crise. As crises são portanto inerentes à economia industrial., Para evitá-las é preciso crescer sempre, o que tem um pouco a ver com o recurso a guerras, cuja ocorrência tem uma certa correlação com momentos de arrefecimento do crescimento econômico, sendo de ser levado em conta que a produção de armamentos provém do mesmo setor que produz bens de capital.
O crescimento constante da produção industrial, bem como portanto da atividade comercial decorrente, vai demandando também crescimento constante dos meios de pagamento, o que por sua vez vai inviabilizando que as moedas continuem lastreadas em ouro. O abandono do padrão ouro conduziu no entanto a crescente instabilidade monetário-financeira, que atingiu seu máximo no período de entre guerras mundiais. A fim de criar mecanismos para evitar a repetição do caos dos anos 30, reuniu-se ao final da segunda guerra a conferência de Bretton Woods, na qual, além da criação do FMI e do Banco Mundial, decidiu-se pela adoção do sistema misto de pagamentos internacionais dólar-ouro, uma vez que o dólar era a única moeda ainda conversível em ouro. Esse sistema funcionou relativamente bem. Mas em 1971 os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro e o dólar passou a ser apenas papel-moeda. Nessa condições, impunha-se a criação de uma moeda internacional, que poderia ser emitida, por exemplo, pelo FMI, mas não foi o que aconteceu, e o dólar papel se manteve como meio de pagamento internacional, passando a crescer sem peias todo o setor financeiro. Uma moeda sem nenhum valor intrínseco é tratada como um bem comerciável, como uma mercadoria, cujo preço é o juro, passando a sofrer as flutuações próprias do mercado, como também passando a ser objeto de todo tipo de especulações. O preço de uma moeda estrangeira, que é o câmbio, também entra no processo especulativo, e bem assim as ações de empresas, os títulos de dívidas públicas e privadas, as hipotecas de imóveis e toda uma série de outros títulos, tudo com valores flutuando ao sabor da especulação financeira, valores por sua vez referidos a papel sem lastro. O mundo ingressou assim na etapa delirante das especulações financeiras, na hegemonia dos bancos e/ou especuladores. Os governos, atolados em dívidas, cortam gastos sociais e aumentam impostos para pagar juros, o que recai sobre produtores e trabalhadores, por sua vez também colhidos na engrenagem do endividamento, e portanto pagando juros ao setor financeiro. Na atualidade o endividamento já é geral, colhendo os governos, passando pelas empresas e indo até as pessoas. A interrupção da concessão de créditos agora deixaria a maioria dos devedores sem condições de pagar suas dívidas. Seria a ruína imediata de todo o sistema. De qualquer forma - como já comentado - a expansão contínua do crédito adentrou áreas de risco, onde a inadimplência resulta ser alta. Há ademais diversos países que já interromperam o pagamento de suas dívidas externas. Os que não o fizeram, e adotam cortes orçamentários e aumento de impostos para seguir pagando os juros da dívida, enquanto fazem transferências massivas de recursos para bancos, estão com freqüência enfrentando manifestações de protesto.
O processo secular de acumulação, que culminou nesta sua fase financeira, sem ter abandonado mecanismos de acumulação das fases anteriores, inclusive a violência destrutiva, dá mostras agora de que se encaminha para sua saturação terminal. O contínuo crescimento desse processo de acumulação, por se aproximar de seus limites em nível mundial, gerou a crise generalizada atual, com seus aspectos ambientais, sociais, econômicos e financeiros, para os quais não há soluções isoladas. As soluções serão viabilizadas na medida em que se reverta o processo de acumulação a um processo de redistribuição, em direção ao equilíbrio. O progresso em equilíbrio poderá ser levado ao futuro e poderá ser levado a todos, isto é, será sustentável e generalizável.
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